18.08.2022 - 2:00AM

Opinião - Recomendações para se ser um melhor negociador

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Autor: Helder Chaminé

 

Somos negociadores independentemente da vontade de querer ser ou não, pois as negociações estão presentes em quase todas as áreas de nossas vidas.

Uma negociação pode levar ao fracasso ou a uma disputa de vontades, quando um lado da negociação quer ter mais razão que o outro.

As pessoas geralmente costumam assumir duas posturas em uma negociação, a postura afável e a áspera sendo que em muitos casos ambas são ineficientes.

 

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As pessoas que assumem uma postura afável não têm como objetivo dentro de um acordo atingir os interesses que o levaram a negociação, mas sim manter um relacionamento bom com a outra parte do acordo.

Entretanto a postura afável é dominada se o outro lado do acordo assumir uma atitude áspera, pois quem assume essa atitude áspera tem como principal objetivo somente a vitória. Para ele não existe acordo que beneficie mutuamente, mas sim aquele em que ganha e aquele em que perde.

Diante um negociador áspero x negociador áspero, irá se tornar uma disputa de vontade, logo ineficiente.

Existe, contudo, uma terceira via para conduzir uma boa negociação. Não é suave nem dura e ao mesmo tempo o é. É uma combinação de elementos da negociação afável com elementos da negociação áspera. Quando afável seja afável com as pessoas com quem está negociando, quando áspero seja áspero com os problemas que necessitam ser resolvidos.

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Existem quatro etapas a considerar para ser um bom negociador:

  1. Separe as Pessoas do Problema
  2. Concentre-se nos Interesses, não nas Posições
  3. Invente Opções de Ganhos Mútuos
  4. Insista em Critérios Objetivos

 

Separe as Pessoas do Problema

É difícil lidar com problemas sem que as pessoas se interpretem mal, fiquem zangadas ou irritadas e acabem tomando as coisas em termos pessoais. É justamente por esta razão que é tão importante, antes de mais nada, ter consciência de que os negociadores são pessoas.

Isto significa dizer que todo negociador deve entender claramente que a outra parte tem emoções, valores enraizados e diferentes antecedentes e pontos de vista e são imprevisíveis.

Ou seja, são seres humanos.

Cabe ao bom negociador saber utilizar este aspeto humano para conduzir as negociações de forma proveitosa ou desastrosa. Vale a pena perguntar a si mesmo: será que estou prestando atenção suficiente ao problema das pessoas?

Uma consequência fundamental do problema das pessoas na negociação é que o relacionamento entre as partes tende a confundir-se com suas discussões da substância. Isto é muito comum no dia-a-dia de qualquer ambiente profissional, onde sempre que alguém identifica algum problema, como, por exemplo “a reunião está uma confusão”, sempre haverá pessoas que vão extrair deste comentário interferências infundadas, ou seja, acreditam que o comentário é uma forma de ataque pessoal.

Nunca o negociador deve assumir uma postura rígida e fixa a respeito da negociação.

Posições extremas levam a outra parte a pensar que você não valoriza o relacionamento e compromete o processo de negociação a longo prazo (relacionamentos duradouros). Também não se deve ceder em pontos significativos, pois passará à outra parte a ideia de que você é facilmente manipulado. Deve-se focar sempre nos interesses mútuos (formar parcerias) e em casos de divergências, procurar compreender a outra parte por meio de perguntas, mantendo sempre a razão sobre a emoção.

Dessa forma, é importante saber lidar com os problemas das pessoas e não tentar solucioná-los através de concessões. Os problemas pessoais podem ser classificados em 3 categorias: perceção, emoção e comunicação.

 

Perceção

O pensamento do outro lado é o problema. As diferenças são definidas pela diferença entre seu pensamento e o dele. Por mais que ambas as partes concordem a respeito do objeto do problema, isto não significa que elas concordem também sobre como solucioná-lo. Por isso, é importante se colocar no lugar do outro (empatia), entender suas emoções, motivações, interesses e pontos de vista. Isto não significa que esteja a concordar com a outra parte, mas reduz consideravelmente a área de conflito.

As pessoas tendem a pressupor que aquilo que temem é o que o outro lado pretende fazer (desconfiança). É bastante difícil ignorar este sentimento que é da natureza humana, mas deve-se ter consciência de que interpretar as coisas sob uma ótica sombria inviabiliza o surgimento de novas ideias que podem ajudar no acordo.

Também é muito comum ver as pessoas atribuírem culpa (mesmo que totalmente justificadas) à outra parte, mas isto nunca é produtivo ao processo de negociação. Quando colocado sob ataque, o outro lado torna-se defensivo e resiste ao que você irá dizer. O bom negociador é aquele que ao falar sobre o problema, separa os sintomas da pessoa com quem estiver falando.

Por último, é importante envolver as partes no processo para que se sintam participativas no resultado e aprovem o produto. Dessa forma, ambas as partes se sentem como influenciadoras do processo, o que evita ou ao menos minimiza o sentimento ou aparência do outro de estar se “curvando” ao outro lado.

 

Emoção

Frequentemente durante uma negociação as partes se preparam mais para uma batalha do que para elaborarem conjuntamente uma solução ao problema em comum. Isso porque elas têm consciência dos altos riscos e sentem-se ameaçadas. O medo pode gerar raiva, e a raiva, medo.

Dessa forma, o negociador tem que saber não somente avaliar as suas próprias emoções, mas também saber controlar e lidar com as emoções da outra parte. Os sentimentos devem ser expressos com o objetivo de minimizar os conflitos, permitir que o outro lado desabafe (caso seja necessário) e não reagindo a explosões emocionais.

 

Comunicação

A comunicação é a base de qualquer negociação. Por isso, é imprescindível escutar ativamente e registrar o que está sendo dito. Um bom negociador presta atenção no que a outra parte está falando e para reforçar este entendimento pode usar uma técnica de perguntar “Será que entendi corretamente que você está dizendo que…?”. Dessa forma você reforça o ponto de vista do outro, deixando clara a força de sua argumentação, o que de maneira alguma significa que você concorda com ele.

Outro ponto de atenção é não permitir a comunicação excessiva. Quando as emoções afloram durante uma negociação, é comum que as partes utilizem-se de argumentos e pensamentos que não são o foco da reunião. É preciso ser assertivo e objetivo durante uma negociação, compreendendo que às vezes é melhor ficar calado do que criar problemas pessoais com o outro. Quem deve ser enfrentado é o problema, não as pessoas.

 

Concentre-se nos interesses, não nas posições

 

Um bom negociador é aquele que se concentra nos interesses e não nas posições. Somente assim chega-se a uma solução. Para identificar os interesses coloque duas questões simples a si mesmo: “Porquê?” e “Por que não?”.

Com a primeira pergunta, você consegue-se colocar no lugar do outro, examinando cada posição que ele assumir e qual a preocupação fundamental dele.

Já com a segunda pergunta, “por que não?”, permite-se que se pense na escolha do outro, compreendendo o porquê da outra parte não ter tomado tal decisão. Quais os objetivos dela que estão funcionando como obstáculos?

Mas as partes não possuem apenas um interesse (e sim múltiplos) e quase nunca os interesses serão os mesmos que o seu, apesar de muitas vezes as pessoas pensarem desta forma. De qualquer forma, deve-se ficar atento de que os interesses mais poderosos são as necessidades humanas básicas. Este argumento tem grande influência da teoria desenvolvida por Maslow, que categorizou as necessidades humanas através de uma pirâmide de hierarquias. Na base da pirâmide estão as necessidades mais básicas de qualquer ser humano e conforme estas são satisfeitas, novas necessidades vão surgindo até chegar ao topo. Essas necessidades são: segurança, bem-estar económico, inclusão social, reconhecimento e auto-realização.

Um bom negociador deve explicar os seus interesses e razões para depois então fornecer suas conclusões e propostas. Deve ser bastante objetivo, falando sobre onde quer chegar ao invés de explicar o seu ponto de partida. Deve ter cuidado também para não confundir objetividade com inflexibilidade, pois um bom negociador sabe que existem diversas opções que atendem ao seu interesse (novas ideias).

 

Invente opções de ganhos mútuos

É muito valioso poder contar com diversas opções durante uma negociação, porém as pessoas raramente sentem necessidade delas. Isso porque a maioria das pessoas costuma acreditar que sabem a resposta certa, ou seja, querem fazer a sua opinião prevalecer. Há quatro obstáculos fundamentais que inibem a invenção de multiplicidade de opções:

 

Julgamento Prematuro

O senso crítico das pessoas é o principal inibidor de novas ideias, sempre pronto a entravar a imaginação. Para evitar que isto ocorra, realize sessões de sugestões livres (brainstorming sessions) com o objetivo de extrair dos participantes novas ideias de opções onde é estritamente proibida a crítica.

 

Busca de resposta única

A maioria das pessoas acredita que inventar não faz parte de um processo de negociação. Tendem a pensar “Já temos dificuldades suficientes em chegar a um acordo como as coisas estão” e já que o produto final de uma negociação é uma decisão única, caem no erro de acreditar que a profusão de novas ideias apenas confundiria e retardaria o processo.

 

Preocupação de que se um ganha o outro perde

A terceira explicação para não haver muitas boas opções é que cada um dos lados encara a situação como essencialmente excludente, ou seja, ou eu consigo o que está em discussão ou o outro. O erro é justamente encarar a negociação como uma guerra de interesses onde apenas um lado sairá vencedor.

 

Pensar que “resolver o problema deles é problema deles”

A preocupação exclusiva de cada um dos lados com seus próprios interesses imediatos dificulta enormemente o desprendimento necessário para se conceber novas opções de resolver o problema e satisfazer o interesse de ambas as partes.

Ao invés de um julgamento prematuro e uma posição a defender, invente opções de ganhos múltiplos. Não é necessário buscar uma resposta única. A pressuposição de que existe um apenas uma hipótese e um vencedor na negociação, pode reduzir o seu campo de visão. Crie sessões de sugestões livres e amplie suas opções. Invente primeiro, decida depois. Procure ajudar o outro a resolver o seu problema, isto facilitará a tomada de decisão em busca de um acordo.

 

Insista em critérios objetivos

Por melhor que você compreenda os interesses do outro lado, por mais que você invente novos meios de conciliar os interesses, e por mais que valorize um relacionamento contínuo, sempre terá que enfrentar a dura realidade dos interesses conflituantes.

Quanto mais você aplicar padrões de imparcialidade, eficiência ou mérito científico a seu problema, maior a probabilidade de produzir uma solução sensata e justa. As pessoas que usam critérios objetivos tendem a empregar o tempo mais eficientemente, falando sobre padrões e soluções possíveis.

Por isso é importante se preparar antecipadamente para desenvolver padrões alternativos que se aplicam ao seu problema. Existem diversos critérios objetivos disponíveis para serem utilizados como base em um acordo, como valor de mercado, custos, reciprocidade, regulamentações, etc. Estes critérios devem ser independentes da vontade de qualquer das partes, além de serem legítimos e práticos.

Da mesma forma, existem procedimentos justos nos quais as partes negociam o que acreditam ser um acerto justo antes de decidirem seus respetivos papéis nele. São variações da técnica “um corta, outro escolhe”, que funcionam justamente porque ambos participam ativamente do processo decisório.

Um único ponto de atenção é que o negociador deve compreender que insistir que um acordo se baseie em critérios objetivos não significa insistir que ele se baseie exclusivamente no critério que você propõe. Um padrão de legitimidade não exclui a existência de outros. Por fim, se os critérios forem objetivos, claros e imparciais, a negociação é facilitada, o stress é reduzido, preserva-se o relacionamento e possibilitam-se futuros negócios.

Jamais ceda a pressões. Se, para tentar influenciar o processo de negociação, o outro lhe fizer chantagens, ameaças ou ofertas infundadas com a solução do problema, seja firme e não ceda. Não permita que o outro “compre” você para satisfazer seus interesses próprios.

 

Conclusões

Existem diversas técnicas e formas de se comportar e de agir durante uma negociação em prol de um acordo final que seja justo e proveitoso não apenas para você. É bastante interessante o enfoque dado ao fato de que negociações não são batalhas ou jogos de soma zero, mas parcerias que se formam e duram um longo tempo.

É claro que nenhum método é perfeito ou completo para atender aos milhões de tipos diferentes de negociação que existem, principalmente tratando-se de seres humanos.

É importante conhecer um pouco mais do aspeto humano, sobre a memória emocional, a emoção e comunicação, a subjetividade, a empatia e sinergia em uma negociação, sobre as falhas de comunicação e os limites entre razão e emoção.

 

 

 

 

“O consenso é a negociação da liderança”

Margaret Thatcher